Para escapar do colapso ecológico em curso, é preciso produzir de outras formas. A agrofloresta, como diz João Canuto, é uma oportunidade realista para a continuidade da vida no planeta. Apesar disso, questiona-se muito tais sistemas alternativas de produção de comida, no sentido de não terem o potencial produtivo dos atuais sistemas convencionais do veneno. Se essa presunção é correta você vê na sequência. O ponto é que os fatores necessários para a boa vida na terra dificilmente são chamados para fazer parte dos cálculos. E, nesse sentido, muito além de comida, as agroflorestas podem ser um prato cheio para combater a desigualdade, regenerar nossas fontes de água exauridas, e o próprio planeta
Por João Carlos Canuto *
Dentre as diversas polêmicas suscitadas pela disputa de espaço entre modelo convencional e agroecológico, uma se destaca: a da viabilidade econômica dos sistemas de produção. Temos atualmente muitas informações sobre a economia dos cultivos convencionais, mas pouco se investigou seriamente sobre a economia dos sistemas diversificados ou complexos. Assim, utilizando métodos convencionais, muitas vezes nos apanhamos fazendo comparações entre agriculturas fundadas em paradigmas díspares. Como já disse Einstein, loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual.
Por exemplo, pode-se entender viabilidade como produzir “x” sacas de grãos por hectare, mas estaremos deixando de considerar inúmeros outros elementos de suma importância, que vão além do parâmetro Kg/ha. Portanto, se quisermos entender a viabilidade econômica de modo mais completo, não podemos deixar de considerar aspectos positivos dos sistemas agroecológicos como a restauração da biodiversidade, a economia de recursos, a autonomia econômica dos agricultores, a segurança alimentar, o controle biológico natural, o enriquecimento do solo, a recuperação da água, a regulação do clima, a oferta de alimentos isentos de agrotóxicos, a inclusão social, entre outras tantos. VER LIVE Vantagens safs.
Mesmo assim, se pudermos separar a questão estrita da viabilidade econômico-financeira, sobram argumentos indicando claramente a superioridade dos sistemas agroecológicos e agroflorestais.
Para melhor entender a questão da viabilidade econômica dos sistemas biodiversos, propõe-se discutir alguns conceitos sobre agrofloresta e quais suas diferenças em relação à agricultura convencional, quais os principais fundamentos propulsores da produtividade das agroflorestas que incidem sobre sua viabilidade econômica, transcendendo o debate focado nos aspectos financeiros para a viabilidade social da agrofloresta.
A viabilidade humana da agrofloresta inclui o enfoque financeiro, mas busca constituir-se como alternativa de sustentabilidade ampliada para a existência digna do homem no planeta.
O que é agrofloresta e quais suas diferenças em relação ao monocultivo
Atualmente a sociedade vai tomando consciência que o modelo econômico em andamento está falido e a agricultura industrial é uma das principais protagonistas nesse processo, por provocar os mais diversos impactos negativos sobre os recursos da natureza, conforme é possível verificar no Quadro 1.
Em contraponto, também estão sendo construídas com mais força alternativas ao modelo, fundamentadas no movimento agroecológico e agroflorestal.
Agroflorestas são sistemas biodiversos que unem de modo harmonioso cultivos e floresta, criando um equilíbrio entre objetivos econômicos e ecológicos. Em agrofloresta não há modelo único, mas sim variações locais da aplicação dos mesmos princípios. As agroflorestas podem expressar-se na forma de quintais e jardins agroflorestais, sistemas agrossilvopastoris, ter foco em frutas, hortaliças, cultivos anuais, madeiras, entre tantos outros arranjos e escalas produtivas.
A seguir, no Quadro 2, apresentamos abaixo algumas das principais diferenças entre a proposta agroflorestal e a convencional ou simplificada:
A superioridade ecológica dos sistemas complexos é notória, semelhante à dos sistemas naturais, que se perenizam por conta da reciclagem natural e abundância de biodiversidade, características que conferem estabilidade e resiliência semelhante a esses arranjos produtivos.
Viabilidade econômica da agrofloresta
Ao discutirmos a viabilidade econômica dos modelos industrial e ecológico de fazer agricultura, podemos escolher um enfoque estritamente financeiro ou uma visão social e humana dos diferentes sistemas. Vamos começar pela abordagem econômico-financeira e, posteriormente, ampliaremos esta forma de avaliação.
Mesmo considerando os parâmetros clássicos de avaliação financeira, as agroflorestas demonstram sua grande potencialidade de renda, devido ao que vamos explanar mais adiante, qual seja, as qualidades ecológicas emergentes propulsoras da produtividade.
Para tanto utilizaremos uma ferramenta relativamente simples, o índice de equivalência de área (IEA). O IEA é um índice utilizado para avaliar a eficiência dos sistemas biodiversos, em comparação aos de monocultivo. Os sistemas são considerados eficientes quando o IEA é superior a 1,00.
O IEA de uma agrofloresta é a relação entre a produtividade por área (kg/ha) do conjunto de seus cultivos com a produtividade (kg/ha) destas mesmas espécies em sistema de monocultivo.
A tendência indicada pelas pesquisas é que os sistemas diversificados produzem mais que os de monocultivo. A razão disso é a geração de processos ecossistêmicos na forma de qualidades emergentes positivas, como melhor aproveitamento espacial do terreno, potencializado pela estratificação aérea, que permite uma captação de radiação solar amplificada, pela melhor exploração de camadas mais profundas de solo e seu consequente bombeamento de nutrientes de camadas profundas, com aproveitamento da biomassa por meio de podas, além de todos os manejos ecológicos que trazem equilíbrio e menor ou nula aplicação de insumos externos.
Embora o exemplo acima seja fictício, a literatura científica, mesmo que ainda incipiente, já mostra resultados sempre maiores que 1,0 para sistemas diversificados, devidos às já comentadas qualidades ecológicas emergentes inerentes a estes sistemas.
Portanto, mesmo sob a ótica estritamente financeira, os sistemas agroflorestais mostram não apenas sua viabilidade, mas sua clara superioridade econômica em comparação à agricultura de monocultivo.
Viabilidade humana da agrofloresta
Um dos conceitos centrais nessa argumentação é o de propriedades ou qualidades emergentes. São qualidades novas criadas pela sinergia entre componentes dos sistemas biodiversos, em que “o todo é superior à soma das partes”. Na verdade, as qualidades emergentes são “o segredo” das altas produtividades físicas e ecológicas das agroflorestas.
Apresentamos a seguir algumas dessas chaves da produtividade das agroflorestas, exemplificadas com imagens no Quadro 3:
Biodiversidade funcional é a propriedade emergente que cria equilíbrio e revitalização nos agroecossistemas: alelopatias, mutualismos, simbioses entre plantas e micorrizas, controle biológico por inimigos naturais, mineralização da matéria orgânica por microrganismos… E muito mais. Exemplos de benefícios: economia de insumos de proteção de plantas, redução de adubação (deposição de matéria orgânica, fixação de nitrogênio atmosférico) e ampliação de oferta de produtos saudáveis.
Multiestratificação aérea: captação ampliada da radiação solar, em comparação aos monocultivos, por conta da exposição das plantas em diversos “andares”; arranjo espacial mais compacto.
Exemplos de benefícios: aumento da fotossíntese do conjunto das espécies, aumento do número de plantas por área e consequente potencial de maior produtividade física (kg/ha).
Multiestratificação subterrânea: extração de elementos de horizontes profundos e disponibilização na superfície do solo como deposição de serrapilheira ou pelo manejo de podas. Exemplos de benefícios: economia de adubos, maior produtividade física (kg/ha), menor uso de água.
Manejos agroecológicos: os manejos agroecológicos são as estratégias mais usuais e de maior impacto na produtividade, tendo diversos efeitos ecológicos com reflexos econômicos, já bastante documentados, seja na fertilidade química, na vida do solo e na renovação da qualidade dos recursos como a água.
Ainda na questão dos manejos agroecológicos, esses tem reflexos em diversos níveis, tais como:
Na renovação da fertilidade: uso de composto, esterco, resíduos da propriedade; cultivo de plantas de adubação verde e de produção de biomassa. Exemplos de benefícios: economia na aquisição de fertilizantes, menor custo de transporte, elementos não tóxicos em contato com o ambiente, conservação da qualidade dos recursos internos, entre outros.
Na melhoria física e biológica do solo: melhor estruturação e qualidade física, facilidade de penetração das raízes, maior absorção de água, abundância da fauna edáfica, aceleração da mineralização e absorção de nutrientes. Exemplos de benefícios: manutenção do potencial produtivo do solo a baixo custo, menor despesa em manejos e insumos, menos despesas com práticas de conservação do solo, maior crescimento das plantas, mais produtividade física.
Na disponibilidade e qualidade da água: captação, conservação e “produção” de água, à semelhança de uma floresta natural. Exemplos de benefícios: menor custo de irrigação, melhor qualidade da água, recuperação de nascentes e maior potência de oferta de água potável.
Considerações finais
Sistemas biodiversos, como as agroflorestas são alternativas viáveis ao monocultivo. Considerando tão somente a abordagem financeira, mostram sua superioridade produtiva em comparação aos monocultivos da agricultura industrial. No entanto, seu papel não é apenas o de gerar renda aos agricultores, mas, mais do que isso, propõem uma nova forma de relacionamento com a natureza e com a vida humana. São alternativas de inclusão social, tanto dos agricultores como dos cidadãos da cidade. Oferecem produtos isentos de agrotóxicos. Conservam os recursos solo, água e biodiversidade. Mitigam as mudanças climáticas. São, assim, opções realistas para a continuidade da vida no planeta.