A esquerda deve defender o decrescimento
Neste texto, inédito em português, trazemos um pouco das reflexões de um dos teóricos e militantes do decrescimento, o grego Giorgos Kallis*. Nele, nos perguntamos porque a esquerda ainda se mantém pouco cética em relação à ideia de buscar um crescimento econômico infinito e de forma exponencial mesmo em meio ao Antropoceno. As evidências climáticas e ecológicas se empilham, e as taxas de crescimento da economia mundial (cada vez mais tímidas) nos indicam que – mais cedo ou mais tarde – iremos esbarrar na ideia de limites e teremos de aprender a governar sem crescimento (por bem ou por mal) para gerar a boa vida, escapando do colapso. Seria um socialismo sem crescimento possível? Talvez, mas só será viável com a aliança da economia solidária. É o que também nos ensina essa importante reflexão baseada na crise que o norte global já enfrenta, além de nos dar inspiração para criar novos caminhos pelo Sul. Deixemos Kallis nos guiar!
Intelectualmente, as origens do “decrescimento” são encontradas no debate sobre Ecologia Política de 1970. André Gorz (foto) falou sobre décroissance (decrescimento) em 1972, questionando a compatibilidade do capitalismo com o equilíbrio da terra “para o qual (…) o decrescimento da produção material é uma condição necessária” (BOSQUET, 1972). A menos que consideremos a ideia de uma “equidade sem crescimento”, Gorz argumentou, reduziríamos o socialismo para nada além da “continuação do capitalismo através de outros meios – um extensão dos valores da classe média, estilos de vida e padrões sociais” (GORZ, VIGDERMAN, CLOUD, 1980).
“Demain la décroissance” (“amanhã o decrescimento”, no sentido de regressão regressão econômica) foi título de uma coleção de ensaios de 1979 de Nicolas Georgescu-Roegen, um imigrante romeno lecionando nos EUA e um economista ecológico que argumentou que o crescimento econômico acelera a entropia. Eram os tempos da crise do petróleo e do Clube de Roma. Para os pensadores europeus “vermelhos e verdes”, porém, a questão dos limites do crescimento era antes – e principalmente – uma questão política. Diferente das preocupações malthusianas preocupadas com o esgotamento de recursos, superpopulação e colapso do sistema, a deles era o desejo de puxar o freio de emergência do capitalismo, ou, para citar Ursula Le Guin, “colocar um porco nos trilhos de um futuro de mão única que consiste apenas em crescimento”.
O slogan décroissance (decrescimento) renasceu no início dos anos 2000 por ativistas na cidade de Lyon em ações diretas contra mega infraestruturas e propaganda. Serge Latouche, um professor de antropologia econômica e crítico dos programas de desenvolvimento na África, popularizou o termo com seus livros, clamando por um “fim ao desenvolvimento sustentável” em “Farewell to Growth” [Adeus ao Crescimento]. Para o intelectual Francês Paul Ariès, decrescimento era uma “palavra míssil”, um termo subversivo que questiona o desejo pelo – sempre tido como certo – desenvolvimento baseado em crescimento. Uma pequena mas dedicada rede de decrescentistas surgiu em torno da revista mensal “La Decroissance”. A palavra foi registrada nos debates políticos da França, inclusive com uma tentativa falha de fundar um partido político do decrescimento.
Decrescimento hoje
Da França, o novo jargão irradiou para a Itália, Espanha e Grécia. Em 2008, logo antes da crise espanhola, o decrescentista catalão Enric Duran “expropriou” 492 mil euros via empréstimos de 39 bancos. Ele deu o dinheiro a movimentos sociais, denunciando o sistema financeiro especulativo espanhol e o crescimento econômico fictício impulsionado por ele.
Começando por Paris em 2008, uma série de encontros internacionais – um mix de conferências científicas com fóruns sociais – introduziram o Decrescimento ao mundo da língua inglesa. Em setembro de 2014, 3500 pesquisadores, estudantes e ativistas se encontraram em Leipzig pela 4ª conferência internacional sobre o Decrescimento. As atividades abrangiam desde painéis sobre crescimento e mudança climática, críticas gramscianas ao capitalismo, à semana de trabalho de 20 horas, até desobediência civil contra uma usina de carvão e cursos sobre como fazer o seu próprio pão.
Uma literatura acadêmica se prolifera em periódicos revisados apoiando as reivindicações do decrescimento: a impossibilidade de evitar mudanças climáticas desastrosas com a manutenção do crescimento como conhecemos; os limites fundamentais em descasar o consumo de recursos ao crescimento; a desconexão entre crescimento e a melhora do bem-estar em economias avançadas; o aumento dos custos sociais e psicológicos do crescimento. Trabalhos recentes destacam o imperativo do crescimento composto para o capitalismo – o que David Harvey (2014) chamou de “a mais letal de suas contradições” – e exploram como o emprego ou a igualdade poderiam ser sustentados em economias pós-capitalistas sem crescimento.
Propostas políticas miram desde um teto de emissão de carbono e moratórias na extração de recursos até uma renda básica de cidadania, redução da jornada de trabalho, reivindicação de recursos comuns em um jubileu da dívida (algo como uma moratória), assim como uma reestruturação radical do sistema tributário com impostos de carbono ao invés de renda, e taxação de capital. Ao demandar o impossível, tais “reformas não reformistas” – como André Gorz as chamou – clamam por transformação sistêmica (como Slavoj Žižek notou, reformas social-democratas são revolucionárias em uma era em que o capitalismo não pode mais acomodá-las).
Politicamente, há um claro entendimento que a mudança do sistema é necessária, e que isso requer um movimento de movimentos, ou uma aliança dos despossuídos, incluindo uma coalizão global dos movimentos social e ambiental. Enquanto o decrescimento é incompatível com o capitalismo, ele rejeita a ilusão do assim chamado “crescimento socialista”, por meio do qual uma economia racionalmente e centralmente planejada, de alguma forma mágica, iria trazer desenvolvimentos tecnológicos que permitirão um crescimento razoável sem que sejam degradadas as condições ecológicas.
Outro caminho
Para outros, “decrescimento” significa centralmente uma prática de vida diária. Nosso fórum de três dias em Atenas em 2015 teve participação de centenas de participantes: não só acadêmicos, ativistas ambientais e de direitos humanos ou membros do Syriza, os Verdes, e a esquerda “anti-autoritária”, mas também neorrurais e agricultores orgânicos da Grécia rural, e vários militantes de base da economia solidária, das clínicas das pessoas e agricultura urbana. Em Barcelona, o decrescimento é simbolizado em projetos como o Can Masdeu, uma ocupação com uma rede de jardins de comida no bairro operário de Nou Barris e a história do ativismo do “direito à moradia”; ou a Cooperativa Integral Catalã, uma cooperativa composta por 600 membros e 2000 participantes, que também funciona como guarda-chuva de produtores independentes e consumidores de orgânicos e produtos artesanais, ecovilas, e que opera cooperativas e redes regionais de trocas que emitem suas próprias moedas.
François Schneider, mobilizador das conferências internacionais e fundador do think thank Research & Degrowth em Paris (agora em Barcelona), encorpa a hibridez do decrescimento: um PhD graduado em ecologia industrial que andou com um burro pela França explicando o decrescimento para os passantes que paravam perplexos. Ele vive agora em Can Decreix, em uma casa simples na fronteira franco-catalã, também um centro de experimentação e educação da vida frugal.
Alguns falam de um “movimento” de base do decrescimento, mas aqueles que atenderam à conferência não são um grupo coeso de pessoas com uma agenda comum ou propósito único (EVERSBERG; SCHMELZER, 2016), tampouco alcançaram os números de um movimento. Diferente do movimento “antiglobalização”, não há prédio da OMC para ser invadido ou acordo de livre-comércio a ser parado. O decrescimento oferece um slogan que mobiliza, une, e dá sentido a um nicho diverso de pessoas e movimentos sem ser seu único, ou mesmo principal, horizonte. É uma rede de ideias, um vocabulário – como chamamos em nosso último livro -, que mais e mais pessoas sentem que dialoga com suas preocupações.
Redistribuição, não crescimento
Uma nova esquerda tem que ser uma esquerda ecológica, ou não será de esquerda de forma alguma. A questão ambiental “muda tudo” para a esquerda também, como Naomi Klein (2015) argumentou. O capitalismo requer expansão contínua, uma expansão assentada na exploração de humanos e não-humanos, que irreversivelmente impacta o clima. Uma economia não capitalista terá que sustentar a si mesma enquanto se contrai. Mas como nós podemos redistribuir ou assegurar trabalho que tenha sentido sem crescimento? Não existe ainda uma concreta “economia do decrescimento”. Lamentavelmente, o Keynesianismo é a mais poderosa ferramenta que a esquerda, e até a esquerda marxista, possuem para lidar com as questões políticas. Mas esse é um ideário econômico de 1930, quando expansão ilimitada ainda era possível e desejável.
Sem uma maré para levantar todos os barcos, é tempo de repensar qual barco leva o que. A resposta da esquerda para o dilema r>g de Piketty (2013) não deve ser “nós aumentaremos g”. Até porque nós sempre quisemos decrescer “r”, ou seja reduzir o acúmulo de capital! Piketty, não exatamente um ecologista, não acredita na possibilidade de maior crescimento. Redistribuição é a questão central para um século XXI sem crescimento.
A Esquerda tem que se liberar do imaginário do crescimento. O crescimento de qualquer coisa sob uma taxa composta rapidamente se coloca ao infinito, uma ideia absurdamente perigosa. O Crescimento é uma ideia imbricada ao capitalismo. É o nome que o sistema deu ao sonho que estava produzindo, o sonho da abundância material (YARROW, 2010). O PIB foi inventado para contar a produção da guerra (MITCHEL, 2011), e evoluiu para um indicador que objetivamente confirmava o “sucesso” dos EUA na Guerra Fria (YARROW, 2010). Crescimento é o que o capitalismo precisa, sabe e faz. Como Gareth Dale (2012) assinala, políticas socialistas nunca foram sobre aumentos quantitativos em valores de troca abstratos. Elas são sobre coisas específicas, sobre valores de uso concretos: emprego, salário decente, condições dignas de vida, um ambiente saudável, educação, saúde pública ou água limpa para todos. Todas essas são necessidades, mas não há razão pela qual tais políticas demandariam uma expansão perpétua de recursos, 3% ao ano.
E há uma demanda mais forte: as coisas que nós na esquerda gostaríamos de ver “crescer”não trariam crescimento agregado (a menos que redefiníssemos o que medimos como atividade econômica, mas então teríamos um jogo de palavras apenas). Distribuir a riqueza igualmente, usando mais mãos e mentes do que antes era necessário, tornar ambientes e pessoas livres, gastar tempo para cuidar um do outro: todas essas são “taxações” sobre a produtividade e crescimento. Nós estaríamos melhores se fôssemos menos produtivos (JACKSON, 2012). Mas a industrialização decolou concentrando excedentes na mão de poucos (capitalistas ou Estados), reinvestindo lucros para mais crescimento; e não distribuindo a riqueza para todos, ou deixando para trás as pastagens e as fontes de combustíveis fósseis ociosas.
Mudar os sonhos
Isso pode ser meio difícil de engolir. Ao fim e ao cabo, muitos de nós advogamos por igualdade, democracia, pleno emprego, salário mínimo, educação ou energias renováveis em nome do crescimento. A crença é que uma alternativa ao sistema capitalista que só possui olhos nos lucros será mais “racional” e fará melhor o que o capitalismo faz, e até mais. Isso é errado politicamente: como afirma Slavoj Žižek, a esquerda não pode se exaurir em busca de meios de realizar os mesmos sonhos; ela tem que mudar esses sonhos por ela mesma. Buscar os mesmos sonhos é também errado factualmente. A “gloriosa” (sic) era do pós-guerra de reconstrução e de “catch-up” acabou. Há poucos indícios que um Keynesianismo regado a dívida, marrom ou verde, capitalista ou socialista, pode reviver tal era. Isso é independente do fato de que a austeridade neoliberal é desastrosa. Redistribuição, democracia e igualdade, sim; mas não em nome do crescimento.
O decrescimento revive o espírito da “austeridade revolucionária” [no sentido de autonomia], de Enrico Berlinguer, uma austeridade nascida da solidariedade. O petróleo que abastece nossos carros, aquece nossas casas e faz nossos hospitais e escolas funcionarem é o mesmo que destrói meios de vida e florestas na Amazônia peruana e na Nigéria. Não precisamos do Papa para nos lembrar disso (KRUGER, 2015). A razão para uma vida “sóbria”, como Berlinguer antes ou o Papa agora chama, é porque nossas ações “aqui” afetam pessoas e ecossistemas “lá”. Não porque a máquina capitalista está se esgotando sem coisas (preocupação Malthusiana), ou porque, como os neoliberais querem, “nós vivemos sob nossos próprios meios” (pelos quais eles querem dizer “nós, os 99%”, que usamos os serviços do Estado de bem-estar social, não o 1% que vivem pelo seu capital).
De uma perspectiva do decrescimento, o ponto não é que o norte global consome mais do que produz (ou produz mais do que consome, à la Keynesianos). O ponto é que ele produz e consome mais do que é necessário, às custas do sul global, outros seres, e futuras gerações. Consumir e produzir menos reduzirá o impacto feito nos outros. Isso é uma questão de justiça social e ambiental: um “encolhimento e redistribuição” do 1% global (e em uma menor medida dos 10%, o que inclui as classes médias da EuroAmérica) para o resto. Tais invocações da simplicidade sóbria podem ressoar com o latente senso comum sobre a “boa vida” presente em várias culturas, do Ocidente e Oriente. Pode recuperar a crítica comum ao excesso das mãos dos austericidas que hipocritamente a usam para justificar suas políticas regressivas.
Possibilidades políticas
O decrescimento é uma palavra-chave circulando principalmente nos círculos de ativistas. Na Grécia e Espanha, ela circula entre anarco-cooperativistas e eco-comunalistas, incluindo muitos nas bases jovens de partidos como Syriza e Podemos. É uma palavra presente, ainda que não dominante, nas praças ocupadas e nas economias solidárias que delas nasceram. Já não é nova entre os verdes, já vem de antes do “desenvolvimento sustentável” e as divisões entre radicais “fundamentalistas” e pragmáticos “realistas”. Um sinal da re-radicalização dos verdes europeus, é que o Equo, partido espanhol, representado no Parlamento Europeu, apoiou explicitamente uma agenda “pós-crescimento” (seu parlamentar Florent Marcellesi se colocou a favor do decrescimento). A campanha nacional dos verdes britânicos também foi “pós-crescimento” ou “decrescentista” em espírito, ainda que não em nome.
Clamar pelo decrescimento explicitamente é um suicídio eleitoral em um ambiente dominado pela mídia corporativa. Mas o trabalho de base é necessário para fazer do decrescimento um senso comum difundido. Nesse momento, quanto maior a proximidade de um partido do poder, maior a probabilidade de que ele se dissocie da ideia de decrescimento. Pablo Iglesias assinou o manifesto decrescentista “Última Chamada”. Mas como a The Economist notou acertadamente, ao passo que o Podemos amadureceu, deixou para trás ideias “malucas” como “decrescimento” e “anticapitalismo”. Os paralelos com a nova esquerda na América são óbvios. Correa ou Morales foram eleitos a partir do apoio de movimentos ecológicos e indígenas com filosofias similares ao decrescimento. Uma vez no poder, a realpolitik e políticas redistributivas baseadas em crescimento ditaram que o capital seria acomodado e a economia seria abastecida pelo extrativismo.
Alguém poderia esperar que pelo menos os partidos da nova esquerda da Europa rejeitariam a ideia de colocar o crescimento como sua meta principal. Sem dúvidas, as crises reassentam o imaginário do crescimento, sempre como uma meta progressista. Um ativista do Podemos na Catalunha comentou para mim que “na crise atual, só podemos falar em crescimento”. Ainda assim, isso não é totalmente verdade. Demanda coragem e imaginação, mas não é impossível. A coligação Barcelona em Comum ganhou as eleições sem mencionar o crescimento nenhuma vez em seu programa. Isso pode ter a ver com as raízes orgânicas do movimento do decrescimento e ideias relacionadas já presentes na sociedade civil de Barcelona, além do florescente movimento de economia solidária da cidade. Muitos dos meus amigos e colegas trabalharam para o programa do partido, que se compromete com uma renda cidadã, taxação verde, demanda por espaços verdes, uma cooperativa municipal de energia, menos uso de recursos e lixo, e moradia social. Entre as primeiras decisões da nova prefeita, Ada Colau, foi uma moratória na criação de novos hotéis e o abandono da proposta de sediar as Olímpiadas de Inverno de 2026. Santi Villa, ministra do ambiente da Catalunha até 2015 e uma jovem aspirante a conservadora, acusou-a de liderar um “partido do decrescimento” ( porém omitindo que ele, uns meses atrás, tentando ficar no topo das últimas ideias internacionais acerca dos debates sobre aquecimento global, também advogou em favor do decrescimento).
Keynesianismo sem crescimento
O programa econômico do Podemos foi desenhado por dois economistas socialistas e keynesianos (Vicenc Navarro e Juan Torres), que frequentemente têm escrito opiniões contrárias ao decrescimento. Pelo menos, o programa evita referências claras ao crescimento. Poderia este ser um sinal de espaço para um “Keynesianismo sem crescimento”? Eu defendi que há. Pode-se imaginar políticas fiscal e tributária que mudem em favor das classes trabalhadoras e rumo à alternativa verde, do cuidado, ou estímulo a atividades de consumo de baixa intensidade por aqueles em necessidade, ainda dentro de um padrão médio de contração econômica. Essa é dificilmente seria uma visão de Keynes, mas talvez esteja apta para economias secularmente estagnadas.
Diferente do município, cujas responsabilidades fiscais são limitadas, uma nação sem crescimento pode ter problemas para financiar seus serviços de bem-estar social. Pelo menos a princípio, porém, não vejo motivo pelo qual os custos da educação e da saúde devam aumentar de 2% a 3% por ano (a taxa do suposto crescimento necessário). Há um imenso espaço para reverter terceirização e compras superfaturadas, banimento de megaprojetos, ou descentralização de serviços, como saúde preventiva ou creches, e compartilhá-los com com redes de solidariedade. Países mais pobres como Cuba e Costa Rica possuem educação e saúde de ponta. Impostos mais altos sobre o capital podem compensar a perda de receitas decorrente do decrescimento. Bem-estar sem crescimento é teoricamente possível, mas nenhum partido de esquerda ousou pensar o que seria necessário para colocá-lo em prática.
Um grande obstáculo é a dívida. Sem crescimento, a dívida como percentual do PIB aumenta. As taxas de empréstimo disparam vertiginosamente, à medida que a probabilidade de pagamento dos mesmos diminui. Isso é o que faz o Keynesianismo do decrescimento menos plausível. Sem crescimento, a dívida pública tem que ser, mais cedo ou mais tarde, reestruturada ou eliminada por decreto ou por inflação. Há precedentes históricos para isso. Mas uma vez feito, não pode ser repetido. Sem dívida, o espaço para expansão fiscal fica limitado.
A urgência sobre a questão da dívida pública pode explicar as diferenças entre Espanha e Grécia. A ascensão do Syriza inicialmente encheu de esperança por “outro mundo” que se tornava possível: a base, especialmente a juventude, do partido consistia de cooperativistas mais verdes que, similar a um espírito decrescentista, apostavam em – uma não totalmente definida – “economia solidária”. Todos os grandes quadros do partido, porém, falaram sem maiores asteriscos a favor do crescimento, enquadrando-o como uma alternativa à austeridade. Nas negociações com o Eurogrupo houve uma tentativa de vida curta em avançar com a proposta de Joseph Stiglitz por uma “cláusula de crescimento”: a Grécia condicionaria ao crescimento seus pagamentos da dívida. Tais demandas eram condenadas como “ultrarradicais”; falar sobre economia solidária sem crescimento seria mais insano do que a insanidade.
Uma Economia Solidária
Alguns comentaristas internacionais sonharam que um “não” à Troika e uma saída do Euro abriria o caminho para uma transição para o decrescimento e para a Economia Solidária (Hinton 2015). Porém, não houve força política na Grécia advogando por isso. A esquerda pró-dracma do Syriza, agora um outro partido chamado “Unidade Popular” é ardentemente produtivista; seu líder possui um histórico ambiental como Ministro da Energia, que inclui planos para novas plantas domésticas de carvão e combustível como subsídio para indústrias. Apesar da fenomenal expansão e importantes conquistas da Economia Solidária na Grécia, ela ainda é um movimento social marginal (bem menor que na Espanha) e suas redes são insuficientes para satisfazer as necessidades da população no caso de um período de transição. Uma suave contração econômica fora da zona do euro é improvável: era precisamente o medo da comida importada ou escassez de remédios e caos econômico no período de crise que assustou Alexis Tsipras a assinar um novo memorando. Países como Japão, com independência fiscal, monetária, e capacidade de emitir e financiar dívida na sua própria moeda, estão melhor posicionados para sustentar o emprego e bem-estar social sem crescimento (o Japão não vê crescimento há mais de 10 anos, uma década “perdida” só aos olhos dos economistas). Mas, claro, um capitalismo sem crescimento é inconcebível, e o Japão tenta arduamente relançar o crescimento (com pouco sucesso até então).
A impossibilidade de imaginar forças políticas ascendendo ao poder com uma agenda do decrescimento faz alguns decrescenstistas argumentarem que a mudança só pode vir a partir da base da sociedade e não do Estado, através de um caminho “involuntário”, por onde os cidadãos se auto-organizarão ao passo que a economia estagnará com a falta de crescimento, trazendo crises. Eu concordo que uma transição ao decrescimento dificilmente seja voluntária e que aconteça em nome do “decrescimento”; ela será um processo de adaptação ao estágio estagnado da economia. Eu não posso ver, porém, como isso pode acontecer sem também ocupar o Estado, com um reforço mútuo da sociedade civil e da sociedade política, práticas militantes de base, e novas instituições.
Talvez nenhum partido de esquerda ousaria questionar abertamente o crescimento, mas, querendo ou não, eu acho difícil de ver a longo prazo a esquerda europeia (que, diferente da sua contraparte latinoamericana, não pode contar com uma bolha de commodities) poder evitar de se debruçar sobre o problema de como governar sem crescimento. O crescimento não é somente ecologicamente insustentável mas, como economistas abertamente admitem (de Piketty à Lawrence Sumers e os “estagnacionistas seculares) será cada vez mais improvável para as economias avançadas (SUMMERS, 2013).
O Capitalismo sem crescimento é selvageria. O decrescimento não é uma teoria clara, um plano, ou um movimento político. Ainda assim é uma hipótese cujo tempo chegou, à qual a esquerda não pode mais se dar ao luxo de evitar.
REFERÊNCIAS
Bosquet, M. Proceedings from a public debate organized in Paris by the Club du Nouvel Observateur. Nouvel Observateur, Paris, 397, p. IV. 1972.
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GORZ, A.; VIGDERMAN, P.; CLOUD, J. Ecology as politics. Black Rose Books, p.13. 1980.
HARVEY, D. Seventeen contradictions and the end of capitalism. Oxford University Press (UK), 2014.
HINTON, J. This endless quest for growth will see Greece self-destruct. The Guardian, 2015. The Guardian. Disponível em: < https://www.theguardian.com/sustainable-business/2015/jul/07/this-endless-quest-for-growth-will-see-greece-self-destruct>. Acesso em: 11 de novembro de 2021.
JACKSON, T. Let’s be less productive. The New York Times. NY Times, 2012. Disponível em <https://www.nytimes.com/2012/05/27/opinion/sunday/lets-be-less-productive.html>. Acesso em: 11 de novembro de 2021.
KLEIN, N. This changes everything: Capitalism vs. the climate. Simon and Schuster, 2015.
KRUGER, O. Laudato Si as signalling towards Degrowth. 2015.
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PIKETTY, T. Capital in the twenty-first century. Belknap Press, 2013.
YARROW, A. L. Measuring America: How economic growth came to define American greatness in the late twentieth century. University of Massachusetts Press, 2010
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* Economista grego e cientista ambiental. Trabalha com economia ecológica e economia política. É membro do Instituto Catalão de Pesquisa e Estudos Avançados (Icrea) e professor da Universidade Autônoma de Barcelona, e um dos mais reconhecidos defensores da teoria do decrescimento.