A economia solidária muitas vezes é atrelada a uma agenda de microeconomia. Reforçar laços econômicos de forma solidária no bairro e na comunidade local não é menos importante. Porém, entender a Ecosol como uma transição ao socialismo autogestionário, – onde se reorganizarão múltiplas economias com relações mais harmoniosas, despatriarcalizadas, cooperativas e ecológicas sob um Estado profundamente redistributista -, é também uma questão da macroeconomia. Como ressocializar a economia para chegar a tal objetivo é motivo de reflexão para Genauto França Filho *
Será que temos efetiva compreensão sobre o alcance da agenda de mudança social na qual a economia solidária é portadora? Ou costumamos tirar conclusões mais limitadas sobre esse tema? Neste texto tentaremos indicar a amplitude da economia solidária enquanto temática, cujo significado nos permite pensar tanto a originalidade de variadas formas de auto-organização socioeconômicas, quanto um outro cenário em termos de sistema macroeconômico envolvendo a relação entre Estado, mercado e sociedade. Segundo nossa abordagem, a agenda da economia solidária aponta múltiplos níveis e escalas em termos de cenário de sociedade. O paradigma de mudança social na qual ela é portadora nos parece mais em fase com a noção de transição social e ecológica, em razão dos valores que a orientam. No intuito de esclarecer tais argumentos, começaremos sugerindo um outro olhar acerca da crise que se vive em diferentes sociedades atualmente e salientaremos seus efeitos. Isto já permite posicionar a problemática situando a razão de ser da economia solidária. Na sequência, abordaremos os seus fundamentos, enfatizando o como ela redefine o sentido do agir econômico na vida em sociedade, para então explorar a agenda de transformação social nela contida.
A solidariedade invisibilizada …
Uma entrada pouco explorada na compreensão sobre a natureza da crise que vivemos no capitalismo consiste em entender o modo como nele se estabelece a relação entre economia e sociedade e seus efeitos decorrentes. Aqui, uma primeira constatação salta a percepção: economia e vida estão separadas, como se fossem domínios distintos. O modo compartimentado pelo qual a ciência tratou os dois objetos contribuiu para invisibilizar este fato. Entretanto, áreas do conhecimento como história e antropologia nos trazem importantes ensinamentos sobre a íntima relação entre economia e vida. Primeiro porque ampliam seu significado: a economia é compreendida como o meio de garantia das condições materiais de existência, assumindo diversas formas. Na história das sociedades humanas observa-se que essa garantia não se realiza sem um imperativo de solidariedade, pois as culturas e povos antigos sempre reconheceram, na busca pela sustentabilidade, uma dupla dependência dos seres humanos: entre si e em relação à natureza. Dois princípios então, muito diferentes do mercado, tiveram prevalência nos processos de organização social e econômica na história: a redistribuição e a reciprocidade. O mercado, na sua versão de um princípio de auto-regulação prescindindo da solidariedade, é uma invenção bastante recente, nascendo com a revolução industrial. Todavia, trata-se de uma invenção portadora de um profundo paradoxo, como nos ensina a história econômica: às suas virtudes extraordinárias de criação de riqueza se somam, na mesma medida, um notável poder destrutivo dessa mesma riqueza. Isto se deve ao caráter intrinsecamente concentrador e excludente desse mecanismo, cujo efeito mais conhecido é a produção de desigualdades.
O curioso é que, embora essa forma de economia tenha nascido da própria sociedade, através de uma engenhosa operação de economia política, seu movimento é de uma busca incessante em separar-se, devido justamente ao seu caráter autocentrado. Diferentemente das demais formas de economia, que estão submetidas às regras de organização da vida social, este mecanismo inverte a relação entre economia e sociedade na história, em nome de uma reivindicação de liberdade bastante específica (pois pretensamente desprovida de regras ou de limites). Dessa vez é a sociedade que deve estar submetida às regras do mercado concebido como ente deificado. O destino das economias de mercado, conforme notou Polanyi (1986), é de tornarem-se sociedades de mercado, devido a extensão sem fim das relações mercantis.
Contudo, esse movimento de expansão sem limites do mercado encontra historicamente a resistência da própria sociedade através de variadas expressões da proteção social. Sendo esta tratada como um empecilho ao desenvolvimento das forças de mercado, a história do capitalismo pode ser lida como um processo de tensionamento permanente (POLANYI, 1986) entre esse mecanismo econômico tentando subordinar a sociedade à sua racionalidade, e a sociedade, por sua vez, lutando para “domar a fera” e fazer prevalecer as necessidades sociais.
É neste tensionamento que localizamos com mais clareza a natureza da crise que vivemos. Primeiro é importante reconhecer que ela decorre de um divórcio entre economia e sociedade produzido no bojo de uma concepção de economia como um fim em si mesmo. Este, tem engendrado uma série de outros afastamentos bem conhecidos: entre economia e meio ambiente, economia e território ou, nos tempos de pandemia, economia e saúde. Em segundo lugar, cabe salientar um outro divórcio relativo à expulsão da solidariedade. Afinal de contas, na imaginação que se torna real de uma vida em sociedade regulada através de uma generalização das relações de compra e venda, de fato, não apenas deixa de haver espaço para a solidariedade, como ela é vista como indesejável. Essa visão atualizada através do neoliberalismo considera também a democracia como um elemento indesejável, pois perturbador da suposta ordem natural em que leis sociais seriam substituídas por regras tecnocráticas. Num mundo governado como uma empresa, é a própria ideia de sociedade que também perde sentido, como nos vaticinou Margareth Thatcher: there’s no society. Ela não fez mais do que seguir pressupostos de uma filosofia política utilitarista rudimentar, segundo a qual a ganância ou a sede do lucro fazem bem (the greed is good). Na utopia de um mundo governado pela generalização dos interesses privados, onde a ideia de empresa substitui aquela de sociedade e uma governança tecnocrática se impõe no lugar da democracia, parece que estamos mais próximos de um cenário de distopia totalitarista, já anunciada em inúmeras obras de ficção científica, sobretudo no cinema e na literatura. Na prática, tal ideologia não seria indesejável se não trouxessem consequências tão dramáticas.
As insustentabilidades em curso…
Quatro insustentabilidades, absolutamente indissociáveis, refletem grandes dilemas que vivemos atualmente. Elas decorrem do modelo econômico que predomina no capitalismo contemporâneo, cuja principal caraterística é seu elevado grau de financeirização. Tal fenômeno representa um deslocamento do principal centro de produção de valor ou de “riqueza econômica”: da atividade produtiva concreta para o mercado financeiro (DOWBOR, 2017). Com isso, aquilo que é nomeado comumente de “economia real” se torna subordinada à lógica de reprodução e ampliação de um capital especulativo e rentista que é desterritorializado e mundializado.
Uma primeira insustentabilidade é de natureza socioambiental e compreende-se através dos efeitos de exaustão sobre os recursos naturais que são provocados pelos níveis de consumo desenfreados decorrentes da necessidade de crescimento ilimitado. Tal lógica é geradora de uma grande crise ambiental verificada hoje através do aquecimento climático e uma série de outros indicadores como desmatamento, poluição dos oceanos, contaminação química dos solos e água, e destruição da biodiversidade (IPCC, 2014; IPBES, 2017). Alguns cientistas da Terra e ecologistas mencionam uma “grande aceleração” ocorrida desde os anos 1970 – coincidindo, portanto, com o avanço do modelo neoliberal – e que nos conduz, provavelmente, a uma série de catástrofes ambientais já fora do controle. Desta forma, com a entrada nos tempos de “antropoceno”, a humanidade está diante da necessidade de transformações imediatas tanto no nível da economia quanto no das formas de vida (BONNEUIL & FRESSOZ, 2013; LATOUR, 2020).
Uma segunda insustentabilidade é socioeconômica e está refletida nos níveis de recrudescimento incessante das desigualdades no mundo como fruto das tendências de concentração da renda e da riqueza. Em um dos estudos internacionais recentes mais conhecidos sobre a dinâmica do capital no século XXI, o economista francês Thomas Piketty demonstra com elevado rigor essa escalada ao evidenciar os graus cada vez maiores de desigualdade socioeconômica na dinâmica histórica do capitalismo e que se acentuam nas três últimas décadas (PIKETTY, 2013; CAPRARA, 2017). Vários outros estudos também evidenciam o aumento das desigualdades relacionados à concentração de renda e riqueza no planeta (EPSTEIN, MONTECINO, 2016; OXFAM, 2017; DOWBOR, 2017). Tais abordagens descortinam uma nova lógica econômica, atualizando a problemática da apropriação e indicando as incongruências entre esforço produtivo e remuneração.
Os fatores climáticos e a concentração da renda se conjugam para explicar os movimentos migratórios no mundo. Estes reacendem uma terceira dimensão das insustentabilidades que é de caráter sociocultural. Elas dizem respeito aos níveis cada vez mais elevados de intolerância à diversidade de grupos sociais refletindo uma problemática racial, de gênero, de orientação sexual ou de opção religiosa. Atestam isso o recrudescimento dos casos de racismo, misoginia e feminicídio, homofobia e perseguição religiosa em diversos países. Esses problemas de preconceito e discriminação não estão atrelados apenas aos imigrantes, mas são vividos no interior de diferentes sociedades como heranças históricas da condição de não reconhecimento de “minorias” como um traço cultural. Nestes tempos de ascensão ao poder de governos populistas de extrema direita em diferentes países, tal problemática se torna muito mais aguda e dramática.
Finalmente, uma quarta dimensão é de natureza sociopolítica e diz respeito ao enfraquecimento da democracia enquanto forma de governança desde a escala global até o nível local. De fato, a lógica de apropriação desigual das riquezas e da desterritorialização da produção e das finanças está, obviamente, na origem de um enfraquecimento da capacidade de organização da vida econômica e de promoção dos direitos por parte dos Estados-nação. Isso gera uma quarta dimensão da crise, de natureza eminentemente política. Trata-se do fato das sociedades contemporâneas estarem confrontadas a uma nova forma de governança internacional, cuja principal característica é o deslocamento tácito do poder decisório mundial de um lócus público, representado pelos Estados e organismos supranacionais, para o setor privado, representado pelo poder real dos poucos grandes grupos corporativos, baseados sobretudo no capital financeiro, cujas atividades estão espalhadas nos mais diversos países (DOWBOR, 2017; CHOMSKY, 2017). A proporção do endividamento público dos Estados nacionais no mundo aumenta em uma medida praticamente simétrica ao crescimento econômico desses gigantes corporativos mundiais, que aliás, tornam-se seus credores. Tal fenômeno acontece, ainda, na mesma proporção do enfraquecimento das instâncias supranacionais de decisão no mundo. Com o poder econômico concentrado em gigantes corporativos transnacionais, os Estados-nação se encontram em situação de dependência em relação a estes atores considerados como investidores, sendo suas políticas públicas diretamente influenciadas por estes (DOWBOR, 2017). Com a fragilização da soberania dos países, são as próprias democracias que se encontram então ameaçadas.
A necessidade de ampliar nossa visão sobre o econômico
A mudança que o mundo precisa para enfrentar tais insustentabilidades pressupõe a reafirmação de uma série de princípios e valores basilares na garantia de uma efetiva capacidade de convivência dos humanos entre si e com o seu meio ambiente: democracia, solidariedade, liberdade, diversidade, bens comuns e bens públicos, são alguns desses valores. Todavia, uma questão salutar se coloca: qual concepção e/ou modelo econômico parece compatível com uma tal agenda de valores ?
De fato, as práticas de economia solidária são incompreensíveis sem a adoção de uma concepção ampliada de economia. Esta, conforme salientamos no início, pode ser extraída de um olhar sobre a história de diferentes culturas e sociedades humanas em relação ao modo como organizaram, em termos institucionais, a garantia dos meios materiais para viver, isto é, o modo como fizeram economia. A dupla definição do econômico identificada por Polanyi (2012), esclarece este aspecto. Para além da chamada definição formalista, que reduz a compreensão do econômico a um cálculo maximizador em situação de escassez, este autor defende uma visão substantiva. Nesta, a economia é pensada como o que permite a garantia dos meios de existência, através de interações humanas e de interações com a natureza. Essa abordagem insiste numa relação íntima entre economia e vida, rompendo com a ideia de uma economia isolada da vida que se encontra na base do sofisma que confunde economia com mercado (definição formalista). Essa ficção alimentou a pretensão ocidental de superioridade, segundo a qual não há nada a aprender das sociedades ditas “primitivas” e “arcaicas”.
Num sentido absolutamente diferente, a visão substantiva evidencia que outros princípios, para além do mercado, desempenham um importante papel em todas as economias humanas ao longo da história: a redistribuição (ou seja, a realocação de recursos tomados por um poder central e controlados, no caso do estado de bem-estar social, pela democracia representativa); a reciprocidade (ou seja, os tipos de produção e troca que são governados não pelo lucro, mas pela preocupação de fortalecer os vínculos sociais entre pessoas ou grupos); e, o compartilhamento doméstico (ou seja, as atividades econômicas realizadas no seio de um agrupamento social de base como a família).
Economia plural e ressignificação dos mercados: caminhos para a transição social e ecológica
Desse conjunto de ideias, deduzimos a noção de economia plural enquanto um esforço de atualização dessa outra visão do econômico que orienta a agenda da economia solidária. Como vimos, a definição substantiva do econômico, por ser ampliada, engloba a definição formalista. Da mesma forma, o conceito de economia plural envolve ou ultrapassa a noção de economia de mercado. Nessa relação, a noção de economia plural parece cumprir um propósito analítico-normativo, conforme esclarece a dupla acepção do verbo conter. Em um primeiro sentido, a economia plural contém a ideia de mercado, pois este é apenas parte de uma concepção mais ampla. Em um segundo sentido, a economia plural contém a economia de mercado em termos de refrear seus efeitos de externalidade negativa ou barrar sua pretensão de subordinar a sociedade à sua lógica (FRANÇA FILHO, 2019; EYNAUD, FRANÇA FILHO, 2019).
Podemos notar então que o conceito de economia plural guarda grande fecundidade heurística ao indicar uma atualização do olhar sobre as dinâmicas econômicas contemporâneas. Com este conceito podemos pensar novas possibilidades de ação coletiva para o desenvolvimento, segundo pelo menos três matrizes analíticas: a) relativo a especificidade de cada uma das distintas lógicas socioeconômicas; b) relativo às possibilidades de articulação entre tais lógicas, apontando caminhos inovadores em termos de arranjos institucionais; e c) relativo às possibilidades de ressignificação das próprias práticas de mercado, através de inovações institucionais nos próprios modos de produzir, comercializar, consumir e se relacionar financeiramente (FRANÇA FILHO, 2019). Neste esforço de atualização conceitual, importa salientar a relação de cada uma das formas de economia com a democracia. É um imperativo de solidariedade democrática que acompanha a proposição de uma outra ideia de economia contida na noção de economia plural. Se ela nos ajuda a refletir sobre outro modo de enxergar o funcionamento da economia real, pelo menos três níveis indissociavelmente articulados podem ser vislumbrados (FRANÇA FILHO, 2019).
Um primeiro nível, micro-sistêmico, consiste em identificar práticas organizativas no seio da sociedade, baseado em mecanismos de solidariedade econômica, como uma projeção miniaturizada do conceito mais amplo de economia plural. Isto porque tais práticas podem ser vistas com ênfase nos modos de gestão de diferentes lógicas em tensão nas respectivas dinâmicas organizativas que são analisadas. Nessas, enfatiza-se o desafio da busca do equilíbrio necessário à sustentabilidade de tais práticas, em meio à tensão entre as lógicas mercantil, redistributista e reciprocitária. Isso significa reconhecer que uma mesma iniciativa, a exemplo de um empreendimento de economia solidária no seu funcionamento cotidiano, pode estar mobilizando recursos simultaneamente: via atividade de comercialização e contraprestação financeira (lógica mercantil), via financiamento público governamental ou não governamental (lógica redistributista) ou via relações de solidariedade na forma de ajuda mútua, de contribuições voluntárias, de produção para autoconsumo, de mutualização de recursos, ou de financiamentos coletivos, entre outros (lógica reciprocitária). Neste sentido, o desafio da gestão encontra-se em aproveitar o potencial sinérgico contido nas três lógicas do ponto de vista da capacidade reunida pelo empreendimento para a sua mobilização de recursos e, ao mesmo tempo, manter a lógica mercantil subordinada às lógicas solidárias enquanto esforço de equilibrar distintas racionalidades.
Um segundo nível, meso-sistêmico, consiste em identificar o potencial de fortalecimento de dinâmicas locais ou territoriais de desenvolvimento contidas na articulação entre esses vários princípios de ação econômica, isto é, entre a lógica redistributista, a lógica reciprocitária e a lógica de mercado ressignificada. Se tal abordagem implica em pensar a pluralidade das formas de economia a serviço do seu contexto territorial, é porque existe um valor importante em cada uma delas e um campo aberto de possibilidades para pensar sua articulação segundo as características específicas e demandas de cada contexto. As diferentes redes e parcerias institucionais possíveis neste caso devem obedecer aos pressupostos básicos da democracia e da solidariedade como condição para sua inovação territorial e institucional. Arranjos institucionais específicos, a exemplo de redes reunindo atores locais diversos (poder público, setor privado, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e empreendimentos de economia solidária) voltadas ao fortalecimento de uma dada territorialidade, constituem um caminho importante neste segundo nível.
Finalmente, no terceiro nível, macro-sistêmico, o conceito de economia plural pode nos ajudar a melhor compreender a relação entre Estado, mercado e sociedade em termos de novas formas de regulação socioeconômicas. Trata-se nesse caso de superar enfoques funcionais, que tentam entender a regulação a partir de setores, para valorizar uma abordagem mais sociopolítica sobre o papel ressignificado do mercado, do Estado e, sobretudo, da sociedade, na provisão de bens e serviços de modo efetivamente acessível ao conjunto da população.
Este nível macro deve integrar uma agenda de desenvolvimento mais amplo em que princípios de economia solidária transmutados na ideia de economia plural nos ajuda a pensar uma renovação das relações entre Estado, mercado e sociedade. Escapando das visões mercadocêntricas do desenvolvimento, em que tudo estaria resumido no potencial da racionalidade empresarial, trata-se tanto de readequar e ressignificar a ação privada no sentido de conter seu caráter predatório, quanto de valorizar o potencial das iniciativas partindo da sociedade e baseadas em cooperação para reativar as economias territoriais, além de melhor aproveitar a capacidade redistributista e de investimento público do estado no redirecionamento dos fluxos da riqueza.
Essa outra regulação tem como objetivo uma agenda de valores pautados no combate às causas das insustentabilidades: defesa e preservação ambiental; respeito à diversidade e promoção dos direitos de grupos sociais marginalizados; inclusão social e distribuição equitativa da renda e da riqueza; valorização dos distintos saberes de povos e culturas, além de preservação da sua memória histórica; e, valorização da democracia.
O cumprimento de uma tal agenda de valores é precisamente o que define a transição social e ecológica como um novo paradigma da transformação das sociedades de hoje. Neste sentido, as práticas de economia solidária são uma inspiração importante, pois elas já carregam em seu bojo a totalidade desse ideário. São inciativas pautadas na gestão e controle democrático dos seus mecanismos de decisão; surgem em grande parte dos casos da iniciativa de grupos sociais marginalizados; estão enraizadas localmente, ou seja, identificam-se com a realidade do seu território de pertencimento, pautando suas ações na valorização das identidades do lugar e na preservação do seu ecossisitema; baseiam-se numa distribuição equitativa dos rendimentos econômicos e na valorização do direito ao trabalho associado; e, se organizam com base em tecnologias sociais e de preservação do ecossistema em que vive.
Em resumo, urge a necessidade de reativarmos as solidariedades públicas e democráticas, tanto aquelas que partem do Estado e atualizam o princípio redistributista, quanto aquelas que partem da sociedade e atualizam o princípio reciprocitário. O papel das políticas públicas torna-se um elemento central neste esforço de mudança institucional cujo paradigma é inclusivo, democrático e ecológico.
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* Professor Titular da UFBA (Escola de Administração). Coordenador do Núcleo de Pós-Graduação em Administração (NPGA/EAUFBA) e da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial da Universidade Federal da Bahia (ITES/UFBA). Pesquisador CNPq: Bolsista de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora. Doutorado em Sociologia pela Université de Paris VII (Dennis Diderot). Mestrado e Graduação em Administração pela Universidade Federal da Bahia