“Não há riqueza a não ser a vida”
John Ruskin
Nessa seção, assim como na próxima, iremos refletir sobre a compatibilidade do socialismo com a ideia de crescimento infinito, e também sobre a necessidade de construirmos uma economia centrada na produção de valores de uso para a boa vida. A ideia de uma sempre crescente economia baseada no lucro tem origem no próprio capitalismo e, ao que tudo indica, dentro desse mesmo sistema irá se findar. Porém, há alternativa ao colapso – como demonstrará Guilherme Prado*, nesse texto
O marxismo é uma crítica da Economia Política. E, ao mesmo tempo, poderíamos sustentar: é uma teoria de uma Economia Política pela vida. Como ponto central nessa teoria crítica está a defesa da vida do trabalhador (DUSSEL, 2014), e em menor plano – se considerarmos os pensamentos de Marx em seu momento histórico -, também uma defesa de todo o necessário para que essa vida tenha seu pleno desenvolvimento. Sendo assim é também uma teoria que, desde então, já carregava componentes Ecossocialistas, como defende o recente livro de Kohei Saito (2021) “O Ecossocialismo de Marx”. Desta forma, nos cabe dizer que o marxismo, apesar de suas correntes produtivistas, nunca foi uma teoria para fazer mais, quantitativamente, daquilo que o capitalismo faz. Ou seja, o fato dessa teoria não versar sobre como crescer mais (e mais rapidamente) a economia, faz tal contradição se tornar ainda mais evidente em um momento onde o próprio crescimento econômico já atenta contra a vida na terra.
Além dos dados que se empilham e mostram que a relação entre crescimento econômico e emissão de gases é muito próxima (ver Gráfico 1), já temos medidores o bastante que berram aos olhos quando nos mostram que precisamos migrar de uma economia mundial que tem como objetivo maior o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), para uma outra que distribua bem-estar reduzindo radicalmente seu impacto na biosfera. A crise da Covid-19 teve um curioso efeito de retração em nosso dano à vida: fez com que saíssemos do consumo de 1,75 planeta Terra no ano de 2019 para 1,6 em 2020. Porém, já voltamos a consumir 1,7 planeta por ano em 2021, fazendo com que a economia mundial consumisse tudo aquilo que o planeta é capaz de renovar 3 semanas mais cedo que 2020. O dia de sobrecarga da Terra, portanto, voltou a ser 29 de julho (OVERSHOTDAY, 2021)
PIB – uma medida colonial
A própria ideia de crescer o Produto Interno Bruto (PIB) é uma ideia colonizadora criada por Simon Kuznets e adotada pelos EUA no pós-guerra para mostrar sua superioridade ante o eixo soviético que, aliás, antagonizava com o capitalismo ao não aceitar o princípio da expansão do lucro como meta, mas adotando o crescimento da produção como seu objetivo central. Se isso foi questionável à época, produzindo na URSS os rios mais poluídos do mundo por exemplo, hoje tal erro não pode se repetir. Aí devemos reforçar: a ideia de perseguição do crescimento econômico infinito e a qualquer custo é uma ideia colonial, não só porque foi imposta pelo imperialismo dos países do Norte – excluindo todas as outras formas de entender a prosperidade dos mais diferentes povos – , mas também porque é baseada na expansão dos valores de troca. Ele na verdade cresce quando um bem comum é expropriado dos trabalhadores, como no caso da privatização de um rio ou se o ar passasse a ser vendido, nessas condições o crescimento se acelera e os trabalhadores ficam mais pobres. Ou seja, o PIB não é baseado em necessidades que só podem ser supridas por valores de uso. Assim, o crescimento, e o próprio decrescimento que falaremos adiante, nunca devem ser o fim, mas apenas uma consequência da “produção” (ou a decisão política por não produzir algo) de valores de uso que são finitos.
Sendo assim, é preciso dizer também que o socialismo dificilmente pode fazer melhor o que o capitalismo faz, uma vez que boa parte daquilo que o socialismo se propõe a fazer (ou deveria) não só “consome” as riquezas produzidas (educação, cuidado com idosos, saúde preventiva, bicicletas que não movimentam a economia como carros), como não tem muito a ver com quantidade – uma vez que não se mede os prazeres da vida com números, já que são sensações qualitativas.
É claro que devemos lembrar que muitas das necessidades humanas dependem de “quantidade de produção”, produção essa que, numa economia voltada aos valores de uso, não deveria refletir em crescimento contínuo, mas sim em um incremento de produção para produzir um tanto de valores de uso (alimentos, sapatos, livros) para um tanto finito de necessidades de um número definido de pessoas. O que buscamos dizer com isso é que não queremos que os países dependentes “decresçam deliberadamente”, pagando a conta do colapso ecológico criado pelos países do Norte. Afinal, como afirma o espanhol Carlos Taibo (2010), se a renda per capita de países como Mali ou Burkina Faso é 30 vezes menor que a de França ou Alemanha, não nos parece razoável que esses países reduzam seus níveis de consumo. Porém, estes países devem tomar nota dos problemas que o Norte gerou se desenvolvendo, chegando a um mau desenvolvimento baseado em um modo de vida imperial (BRAND; WISSEN, 2021).
Desta forma, sob o aspecto macroeconômico e social, a ideia por trás do movimento chamado decrescimento (e da ideia de um socialismo sem crescimento que defendemos aqui) é: ser indiferente ao PIB tendo em busca decrescer as atividades ruins tanto dos países imperialistas quanto dependentes (indústria automobilística, bélica, e do petróleo por exemplo) buscando crescer, ou melhor “incrementar”, as atividades necessárias para o bem-estar (produção de alimentos agroecológicos e energia limpa); eliminar o hiperconsumo e desperdício dos países ricos para suprir o subconsumo dos países dependentes; tudo isso sem esquecer do combate à riqueza e à pobreza extrema.
Cabe uma última ressalva antes de vermos as origens e os motivos de pensar um outro tipo de socialismo: capitalismo sem crescimento é crise, desemprego e fome. E os dados só mostram que as taxas de crescimento da economia desde os anos 1970 são decrescentes, mostrando a crise (ou colapso?) estrutural da qual estamos diante. O colapso climático também só mostra que essas taxas tendem a piorar, pois os impactos do aquecimento global trarão prejuízos que consumirão a riqueza de nossa sociedade. Temos como exemplo os EUA que só em 2016 gastaram US$ 46 bilhões em gastos com desastres climáticos e as estimativas que mostram que, quão maior o aquecimento, maior o impacto no crescimento econômico: com 3,7º de aquecimento haveria 551 trilhões de prejuízos, cifra muito maior do que a riqueza global existente hoje (WALLACE-WELLS, 2019, p. 41).
Sendo assim, é preciso pensar urgentemente um sistema econômico que saiba lidar com sua própria contração, já que a estagnação é uma realidade para boa parte dos países desenvolvidos e também para os dependentes, já que, se excluíssemos China e Índia dos dados veríamos que a situação é ainda mais alarmante. O Japão, não por falta de tentar é claro, é um exemplo de “Estado estacionário acidental”, já que não consegue retomar taxas de crescimento pujantes de forma alguma (ver gráfico 2), não consegue dar grandes impulsos consumistas à sua população, nem consegue tirar esse impulso a partir de obras públicas já que possui uma infraestrutura quase completa, e acaba mostrando os limites do Keynesianismo pensado sob o paradigma do crescimento. Que teoria econômica usar para sermos felizes quando já temos o bastante? Ou que teoria econômica usar para termos o bastante sem devastar o planeta? Governar sem crescimento é necessário socialmente e ecologicamente urgente.
Entropia, Estado Estacionário e Marxismo
Não são novas as correntes de pensamento fundadoras da economia ecológica e críticas à ideia de crescimento infinito. O grande nome dessa área do conhecimento foi e segue sendo o matemático e economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen (GR), o cérebro que ligou a ideia de entropia, presente na segunda lei da termodinâmica descoberta por Sadi Carnot, ao processo econômico.
“Como economista não ortodoxo que sou, eu acrescentaria que aquilo que entra no processo econômico consiste em recursos naturais de valor e o que é rejeitado consiste em resíduos sem valor. Essa diferença qualitativa está confirmada, embora em outros termos, por uma divisão particular e até mesmo singular da física conhecida pelo nome de termodinâmica. Do ponto de vista da termodinâmica, a matéria-energia absorvida pelo processo econômico o é num estado de baixa entropia e sai num estado de alta entropia”.(GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p.57)
O que é a entropia então? Do ponto de vista que nos interessa aqui, ela versa sobre a baixa entropia – energia “livre”, portanto útil ao interesse humano e quase totalmente passível de seu domínio, que tende a tornar-se alta entropia – energia “presa”, rumo à desordem e à inutilidade. Um pedaço de carvão possui menos energia que o mar, por exemplo. Porém a energia do carvão (baixa entropia) é livre e pode ser transformada em calor (pensem numa lareira) ou em trabalho mecânico (pensem numa termoelétrica e tudo que se move a partir dela), ambos úteis ao ser humano. Já o mar possui muita energia presa (alta entropia), mas não diretamente utilizável pelo homem; ele pode mover seu barco nas águas com o auxílio de uma vela por exemplo, ou de um motor, mas não manipulá-la como quer.
Essa descoberta mostrou inclusive a limitação do argumento de economia circular e renovável, uma vez que, para reciclar uma lata de alumínio gasta-se mais matéria-energia do que para produzir uma nova. Sim, é preciso lembrar: os processos de reciclagem não tornam útil novamente 100% do material submetido ao processo. Ou seja, tudo tende à alta entropia, ou à inutilidade em outras palavras. Haveria uma flecha do tempo onde tudo ruma à desorganização, tornando o estoque de baixa entropia, que é nossa riqueza comum de energia e recursos necessários para a boa vida, algo mais e mais escasso.
Ao aplicar a lei da entropia à economia, considerando não só energia mas também recursos materiais, em última instância, GR descobriu que a vida é, em si, um processo entrópico. Toda vida acelera tal processo no sentido de transformar baixa entropia (energia e recursos úteis) em alta entropia (energia e recursos inúteis). Nós mesmos somos seres entrópicos que, para vencer na batalha da vida, precisamos nos alimentar de recursos externos (baixa entropia) para subsistir: “a verdade é que todo organismo vivo procura somente manter constante sua própria entropia” e “o faz extraindo baixa entropia em seu próprio ambiente a fim de compensar o aumento da entropia à qual o seu organismo está sujeito, como qualquer outra estrutura material.” (GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p. 61)
Com essas conclusões, GR se tornou um “outsider” da economia política, alijado dos grandes debates, principalmente pelo fato de ter percebido que o crescimento econômico não poderia durar para sempre num sistema com baixa entropia limitada. Sugeriu assim que a economia era apenas um subsistema da biosfera, sendo a Ecologia – e não a Economia – a ciência principal, postulando também que o decrescimento para uma bioeconomia seria uma solução mais viável para a humanidade . Mas seu legado seguiu com outros parceiros de ideias como o escritor do clássico texto “The Economics of the Coming Spaceship Earth”, Kenneth Boulding que proferiu a famosa frase “qualquer um que acredite em crescimento infinito num planeta finito, ou é louco ou é economista”. Além dele, tivemos o seu aluno mais brilhante, Herman E. Dally, que criou a teoria dos Estados estacionários, onde teríamos uma macroeconomia que iria considerar as entradas e saídas de recursos para manter-se estável e de fato sustentável, ou seja, uma economia que não teria o objetivo de crescer infinitamente:
“Proposições impossíveis são a própria base da ciência. Na ciência, muitas coisas são impossíveis: viajar mais rápido do que a velocidade da luz; criar ou destruir matéria-energia; construir uma máquina de movimento perpétuo, e assim por diante. Respeitando o teorema da impossibilidade,nós evitamos gastar recursos em projetos que estão sujeitos a falhar. Economistas deveriam, por conseguinte, estar muito interessados no teorema da impossibilidade, especialmente aquele demonstrado aqui: isto é, que é impossível sair da pobreza e da degradação ambiental através do crescimento econômico mundial. Em outras palavras, crescimento sustentável é impossível.”(DALY, 1989)
Foi assim que Herman Daly afirmou que o termo “desenvolvimento sustentável” só faz sentido se for entendido como “desenvolvimento sem crescimento”, um modelo que se baseia na melhora qualitativa dos processos econômicos mantendo um Estado estacionário alimentado por uma gama de recursos e energia que estejam dentro das capacidades regenerativas do Sistema Terra. Apesar de não ser um crítico resoluto do capitalismo em si, centrando-se mais na crítica à economia de mercado, Daly percebeu que só assim poderíamos resolver o problema ecológico e o social ao mesmo tempo. Daly, inclusive, abriu espaço para pensar um necessário e ainda inexplorado “Keynesianismo sem crescimento”, um campo necessário de ser explorado uma vez que as ferramentas de esquerda são quase sempre keynesianas – como afirmou Giorgos Kallis no texto anterior desta revista.
Nessas lutas do século passado, ainda em grande parte ignoradas por uma porção da esquerda hoje, podemos também citar o movimento ecossocialista que se formava nos anos 1970, com destaque as críticas radicais de Andre Gorz em obras como “Ecologia e Liberdade” e a militância intelectual de Michael Lowy, que trouxe de volta ao debate Walter Benjamin como um dos poucos marxistas que viram os perigos do progresso, especialmente quando popularizou a passagem famosa abaixo:
“Marx havia dito que as revoluções são a locomotiva da história mundial. Mas talvez as coisas se apresentem de maneira completamente diferente. É possível que as revoluções sejam o ato, pela humanidade que viaja nesse trem, de puxar os freios de emergência” (Benjamin citado por Lowy, 2005, págs. 93-94).
Outra obra essencial da construção dessa Economia crítica foi o relatório “Limites do Crescimento” de 1972, que com ajuda de cálculos de computadores já previa os limites da atual economia “os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial” (BEHRENS et al, 1972, p.20)
Por que lutamos por um Socialismo sem crescimento?
Mas o que seria necessário para uma economia socialista? É verdade que, em tese, uma economia do Estado Estacionário pode ser capitalista ou socialista, como defende Giorgos Kallis. Mas no caso do capitalismo seria uma sociedade bem feia de se viver, já que o excedente que vira mais-valia (lucro) para o capitalista, teria que ser feito apoiado em maior taxa de exploração para enriquecer os ricos, uma vez que o excedente seria limitado. Por isso a ideia de crescimento é tão aceita: ela pode contemplar com migalhas os mais pobres e com altos lucros os de cima, mitigando a luta de classes. É por isso, também, que tal ideia é tão imbricada com o capitalismo: ela está fortemente ligada à ideia de acumulação.
O crescimento dificilmente se descolará da ideia de exploração, pois ele consiste em expropriar parte do que os trabalhadores produzem para ser reinvestido em uma maior capacidade de produção no futuro. Alguns poderiam argumentar que, com a economia e os meios de produção nas mãos dos trabalhadores, eles poderiam decidir democraticamente por não consumir (agora ou no futuro) todo o produto de seu trabalho para reinvestir em uma maior capacidade produtiva. Porém, isso se assemelharia a um socialismo da opulência, que não seria muito diferente do capitalismo quando colocássemos as próximas gerações no debate democrático, uma vez que não há crescimento da produção sem crescimento da extração de riquezas naturais e emissão de gases. Como já falamos aqui, ambos aceleram a entropia, tirando a capacidade de ser feliz das gerações futuras – além de no presente já destruir as condições de vida dos seres não humanos.
Além disso, para os países extrativistas e dependentes, pouco importa se um país decidiu (democraticamente ou não) pilhar suas riquezas comuns e naturais. Na Economia-Mundo capitalista, que é também uma Ecologia-Mundo como defende Jason W. Moore, o desenvolvimento de um país implica no subdesenvolvimento de outro como apontou Andre Gunder Frank: a maior concentração de excedente ou mesmo tecnologia avançada e limpa em uma região do sistema-mundo implica em menor concentração de excedente em outras regiões do sistema, além do empurrar de atividades econômicas sujas e com maior taxa de exploração para países periféricos ou semiperiféricos. Tais fatos revelam que a solidariedade internacional ainda é a maior escolha.
É bom salientar que um sistema econômico sem crescimento será uma proposta ruim se, por exemplo, o paradigma de determinada sociedade que adotá-lo, ainda se basear na capacidade de entregar um sempre crescente nível de produção para satisfazer uma sempre crescente gama de desejos dos trabalhadores. Aqui é bom lembrar porém, que as necessidades dos trabalhadores se mantêm estáveis na história (comer, beber, comunicação, etc.), o que mudam são os satisfatores (antes um telefone fixo saciava a necessidade de comunicação, depois precisamos de um celular com SMS, depois um celular com internet, depois um celular com 3G, depois com 4G, 5G e com uma bateria que dure muito). Nesse modelo, de desejos individuais opulentos e sem fim, saciados por satisfatores que mudam – e quebram – com cada vez mais velocidade, a falta de crescimento muito provavelmente será um problema!
Com todos esses desafios colocados, além da eliminação da acumulação e da mais-valia, entendemos que a ideia de um sistema econômico sem crescimento é mais plausível para os socialistas, pois ela demandaria também a eliminação de todo o excesso e produção acima do necessário, algo já feito por várias cadeias de circuitos curtos de alimentos como o Livres, e de roupas como a Justa Trama por exemplo. Outro critério necessário também, seria o de nenhum excedente ser reinvestido em mais produção, o que (claro) não inclui a transferência do que já é investido em uma atividade ruim (agrotóxicos) em outra necessária para a boa vida (produção de alimentos agroecológicos). Caberia também lembrar que um “excedente de estoque”, em nossa crítica, não cabe como excedente para acumulação, pois será consumido pelos trabalhadores em algum momento. Seria um modelo de zero acumulação e zero investimento líquido. Porém o grande desafio está em como trabalhar os princípios da autossuficiência e dos sonhos coletivos. Mas isso é papo para outra hora.
Um bom marxista a essa altura já se deu conta de algumas aproximações entre entropia e uma visão antissistêmica da economia: viver é tornar valores de uso em valores não úteis, ou não valores, algo que Enrique Dussel foi um dos poucos teóricos de esquerda a perceber. Dussel, aliás, postula um projeto de “baixa entropia em comunidade”. Socialismo, portanto, ao elevar a democracia à sua plenitude, não pode versar sobre como acelerar o processo entrópico, mas sim sobre como desacelerar radicalmente esse processo, considerando o bem-estar das próximas gerações, trazendo a todas e todos a boa vida agora!
Ainda assim, a maioria concorda que a eliminação da mais-valia é necessária para construir o socialismo. Mas isso não é suficiente. Em outras palavras, Socialismo não é apenas sobre como os trabalhadores se apropriam de seus excedentes e riquezas, sem que essa apropriação seja literal, pois é necessário que um Estado Estacionário fortemente redistributivo faça com que as empresas cooperativas do trabalhadores mais rentáveis não produzam trabalhadores ricos, enquanto as menos rentáveis não produzam trabalhadores pobres – o que já é óbvio para muitos.
Mas o Socialismo é também sobre como decidir coletivamente sobre os gastos da sociedade – porém ele não pode ser só sobre quantos painéis solares e ferrovias construímos, como diz Giorgos Kallis. Esse outro sistema versa sobre como os trabalhadores decidem coletivamente também sobre a destruição de seus excedentes (com esportes, festa, lazer, etc.), além de como preservar seus “recursos” comuns para as próximas gerações. O socialismo, nesse sentido, tem mais a ver com a sociedades indígenas, onde as inovações resultavam em mais tempo livre e não em mais produção, seja ela verde, marrom ou vermelha.
Porém, a ideia de um socialismo “crescimentista” encontra-se sólida na cabeça da esquerda, e a ideia de que um crescimento socialista “pode ser mais verde” ainda paira sobre as cabeças de muitos intelectuais. Todavia, o ecossocialismo será aquele que “conscientemente decide, e planeja” sobre “como viver com o necessário; e também aquele que coletivamente elimina o excedente de sua produção, removendo-se do circuito do crescimento” (KALLIS, p. 94, 2016). A ideia de Socialismo sem Crescimento é extremamente apropriada para a época onde mais “mais produção significa menos segurança” como disse Luiz Marques. É uma ideia, portanto, para uma prática marxista de sobrevivência ao Capitaloceno.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAND, U.; WISSEN, M. Modo de Vida Imperial. São Paulo: Elefante, 2021.
BEHRENS, III W. Willians; MEADOWS, H. Donella; MEADOWS, L. Dennis; RANDERS, Jorgen. The Limits to growth: A report for the club of rome’s Project on the predicament of mankind. Nova Iorque: Universe Books, 1972.
DALLY, H. Crescimento Sustentável? Não, obrigado. 1989. Disponível em: <
https://www.scielo.br/j/asoc/a/pfNnSzdTMRHVS5sdJ3rpnTs/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 11 de novembro de 2021.
DUSSEL, Enrique. 16 Tesis de Economia Política –Interpretación filosofica. Mexico, Argentina: Siglo XXI, 2014.
GEORGESCU-ROEGEN, N. In: JACQUES, G.; IVO, R. (Orgs). O Decrescimento: entropia, ecologia, economia. São Paulo: Editora Senac, 2012.
KALLIS, Giorgos. In Defense of Degrowth: opinions and minifestos. Aaron Vansintjan. 2016.
LÖWY, Michael. Walter Benjamin-. Aviso de Incêndio: Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005.
OVERSHOOTDAY. 100 Days of Possibility. Disponível em: https://www.overshootday.org/. Acesso em: 25 de outubro de 2021..
SAITO, Kohei.O Ecossocialismo de Karl Marx: capitalismo, natureza e a crítica inacabada à economia política. 1ª edição. São Paulo: Boitempo, 2021.
TAIBO, Carlos. Decrescimento, Crise, Capitalismo. Compostela: Estaleiro, 2010.
WALLACE-WELLS, D. A Terra Inabitável – uma história do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
* Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC), coordenador da Livres Coop Baixada Santista e militante do PSOL.